Lúpus – Causas, sintomas e tratamento

INTRODUÇÃO

O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é provavelmente a mais característica das doenças autoimunes. É uma doença riquíssima em achados clínicos e ainda pouco compreendida. 

O lúpus pode atacar pele, rins, articulações, pulmão, coração, vasos sanguíneos, células do sangue, sistema nervoso, trato gastrointestinal entre outros órgãos e tecidos.

O QUE É LÚPUS?

A doença lúpus é caracterizada pela produção de vários auto-anticorpos, ou seja anticorpos que atacam o próprio corpo. Entre os auto-anticorpos comuns do lúpus há um contra o núcleo das células e outro contra o  DNA do próprio paciente. Só por aí já dá para imaginar o estrago que a doença pode causar, já que ela cria anticorpos contra estruturas essenciais à nossa vida.

Não se sabe por que o corpo começa a produzir esses anticorpos. Existe provavelmente uma associação de fatores genéticos, pois a doença é mais comuns quando há história familiar positiva, e fatores ambientais ainda não identificados. A doença é nove vezes mais comum em mulheres do que homens e ocorre em todas as idades, sendo mais prevalente entre 20 e 40 anos.

O lúpus é uma enfermidade de difícil tratamento e em casos graves requer uso de drogas imunossupressoras pesadas. Ao mesmo tempo que é um desafio tratá-la, é uma patologia que mostra o quanto a medicina avançou nas últimas décadas. Na década de 50, mais de 60% dos pacientes morriam antes de completarem cinco anos de doença. Hoje 80% sobrevivem por pelo menos vinte anos.

SINTOMAS

A ilustração abaixo faz um resumo das principais doenças e sintomas do lúpus. O paciente com lúpus não irá ter obrigatoriamente todos esses sintomas. Há casos de lúpus com poucos sintomas e há casos com muitos sintomas, assim como há casos graves e casos mais brandos.

Sintomas articulares

O acometimento das articulações ocorre em até 95% dos pacientes com lúpus. As duas principais manifestações são a artrite (inflamação da articulação) e a artralgia (dor articular sem sinais inflamatórios). Muitas vezes esses sintomas surgem anos antes do diagnóstico definitivo de lúpus.

A artrite e a artralgia do lúpus têm algumas características que as diferenciam das outras doenças que também acometem as articulações:

  • São migratórias, ou seja, as dores mudam de articulações em questão de 24-48 horas. Um dia doem os joelhos, no outro o punho, em um terceiro o ombro, depois volta para o joelho, etc.
  • O envolvimento é simétrico, ou seja, quando um joelho dói, o outro também.
  • Costuma se apresentar como poliartrite ou poliartralgia, o que significa que várias articulações doem ao mesmo tempo. O acometimento de uma única articulação fala a favor de outros diagnósticos, como a gota ou artrite séptica.
  • Em geral, a articulação dói muito mais do que a aparência dela pode sugerir para quem examina.
  • As articulações mais comumente acometidas são as das mãos e dedos (falanges), punho e joelhos.

Sintomas dermatológicos

Outro órgão muito frequentemente acometido é a pele. Até 80% dos pacientes com lúpus apresentam algum tipo de envolvimento cutâneo, principalmente nas áreas expostas ao sol.

As lesões típicas incluem o rash malar ou rash em asa de borboleta. Trata-se de uma área avermelhada que encobre as bochechas e o nariz como pode ser visto na foto do início do artigo.

O rash malar aparece em pelo menos 50% dos pacientes, costuma durar alguns dias e recorre sempre que há exposição solar. Exposição prolongada a luzes fluorescentes também pode desencadear lesões cutâneas do lúpus.

Outra lesão dermatológica comum é o lúpus discoide, que se caracteriza por placas arredondadas e avermelhadas, mais comuns na face, pescoço e couro cabeludo.

O lúpus discoide pode fazer parte do quadro do lúpus sistêmico, ou ser a única manifestação da doença. Neste último caso, o prognóstico é melhor, já que não há envolvimento de outros órgãos.

Pacientes com lúpus discoide isolado apresentam 10% de chance de evoluírem para o lúpus eritematoso sistêmico. Quanto mais numerosas forem as lesões discoides, maior o risco de evolução para outros órgãos.

Outras lesões dermatológicas comuns são a perda de cabelo, que pode acometer não só o couro cabeludo, mas também sobrancelhas, cílios e barba.

Ulceras orais semelhantes às aftas são comuns, porém, com a diferença de serem normalmente indolores.

O fenômeno de Raynaud é uma alteração na coloração dos membros causado por espasmo dos vasos sanguíneos. O espasmo das artérias provoca uma súbita falta de sangue deixando a mão pálida. Se o espasmo persistir, a falta de sangue faz com que a mão que estava pálida comece a ficar arroxeada. Esta isquemia pode causar muita dor. Quando o espasmo desaparece, o rápido retorno do sangue deixa a pele quente e bem avermelhada.

O fenômeno de Raynaud não é exclusivo do lúpus e pode ocorrer mesmo em pessoas sem doença alguma diagnosticada. Frio, cigarro e cafeína podem ser gatilhos para esse sintoma.

Acometimento renal

Até 75% dos pacientes com lúpus irão desenvolver alguma lesão renal durante o curso de sua doença.

O achado mais comum é a perda de proteínas na urina, chamada proteinúria.

Outros achados importantes são:

  • Hematúria (sangue na urina), que pode ser macroscópica ou microscópica.
  • Elevação da creatinina sanguínea que é um sinal laboratorial de insuficiência renal.
  • Hipertensão arterial.

O acometimento renal mais comum é a glomerulonefrite (lesão do glomérulo renal) causada pelos auto-anticorpos. Existem basicamente cinco tipos de glomerulonefrite pelo lúpus, reunidas pelo termo nefrite lúpica. São elas:

  • Nefrite lúpica classe I – Glomerulonefrite mesangial mínima.
  • Nefrite lúpica classe II – Glomerulonefrite proliferativa mesangial.
  • Nefrite lúpica classe III – Glomerulonefrite proliferativa focal.
  • Nefrite lúpica classe IV – Glomerulonefrite proliferativa difusa.
  • Nefrite lúpica classe V – Glomerulonefrite membranosa.

As classes III, IV e V são as mais graves, sendo a glomerulonefrite proliferativa difusa (classe IV) a que apresenta pior prognóstico. A glomerulonefrite mesangial mínima (classe I) é a mais branda.

A nefrite lúpica é classifica em classes porque cada uma dessas lesões apresenta prognóstico e tratamentos distintos. Por isso, a identificação de qual tipo de nefrite lúpica o paciente possui é de grande importância.

Apenas com os dados clínicos não é possível se estabelecer qual tipo de nefrite lúpica estamos lidando, já que proteinúria, hematúria e insuficiência renal são achados comuns nas nefrites tipo II, III,IV e V. Por isso, todo paciente com lúpus manifestando sinais de doença nos rins deve ser submetido à biópsia renal para se identificar qual tipo de lesão no glomérulo que os auto-anticorpos estão causando.

É perfeitamente possível que um paciente apresente mais de uma classe de nefrite lúpica ao mesmo tempo.

As classes I e II não costumam necessitar de tratamento específico, porém, as classes III, IV e V como apresentam pior prognóstico e grande risco de insuficiência renal terminal, são normalmente tratadas com drogas imunossupressoras pesadas. As mais comuns são corticoides (cortisona), ciclofosfamida, ciclosporina, micofenolato mofetil e azatioprina.

Os pacientes não tratados ou que não apresentam boa resposta às drogas, inevitavelmente acabam precisando de hemodiálise.

Alterações sanguíneas

Os auto-anticorpos também podem atacar as células sanguíneas produzidas pela medula óssea. A alteração mais comum é a anemia, que ocorre não só pela destruição das hemácias, mas também pela inibição da produção na medula óssea.

Outra alteração hematológica comum é a diminuição dos glóbulos brancos (leucócitos), chamada de leucopenia. O mecanismo é o mesmo da anemia, destruição e inibição da sua produção. Seguindo o mesmo raciocínio também podemos encontrar a redução do número de plaquetas, chamado de trombocitopenia.

Quando temos queda das três linhagens sanguíneas ao mesmo tempo (hemácias, leucócitos e plaquetas) damos o nome de pancitopenia.

Qualquer uma dessas alterações pode ser fatal, seja por grave anemia , por infecções devido à baixa contagem de glóbulos brancos ou por sangramentos espontâneos devido à queda das plaquetas.

Aumento dos linfonodos e do baço também são um achado comum no lúpus e podem ser confundidos com linfoma.

Outro problema comum no lúpus é o surgimento de tromboses. A síndrome do anticorpo antifosfolipídeo é uma doença que ocorre com frequência nos pacientes com lúpus e está associada à formação de múltiplos trombos, tanto nas artérias como nas veias, podendo levar a quadros de AVC, infarto renal, isquemia dos membros, trombose venosa das pernas e embolia pulmonar.

Acometimento dos vasos sanguíneos

Além das tromboses que ocorrem com a síndrome do anticorpo antifosfolipídeo, os auto-anticorpos do lúpus podem atacar os vasos sanguíneos diretamente, causando o que chamamos de vasculite. A vasculite pode acometer qualquer vaso do corpo, podendo lesar pele, olhos, cérebro, rins, etc.

Sintomas do sistema nervoso

O lúpus pode cursar com síndromes neurológicas e psiquiátricas.

As lesões neurológicas ocorrem por tromboses e vasculites, que acabam por provocar AVC.

Alterações psiquiátricas também podem ocorrer devido ao lúpus. As mais comuns são a psicose, onde o paciente começa a ter pensamentos bizarros e alucinações, e a demência, com perda progressiva da memória e da capacidade de efetuar tarefas simples.

Outros órgãos acometidos pelo lúpus

Virtualmente qualquer órgão do corpo pode ser acometido pelos anticorpos do lúpus. Derrame pericárdico e derrame pleural (água na pleura e no pericárdio) são achados comuns. Acometimentos do sistema gastrointestinal, dos pulmões, infartos do miocárdio, lesões nas válvulas cardíacas e pancreatite também podem ocorrer.

Outros achados muito prevalentes no lúpus são o cansaço (fadiga), a perda involuntária de peso e febre baixa constante.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de lúpus é feito através dos achados clínicos e da dosagem de anticorpos nos sangue. O principal é o FAN (ANA), o anticorpo contra proteínas do núcleo das células.

O FAN está quase sempre presente nos casos de lúpus, mas também pode ocorrer em outras doenças autoimunes como hipotireoidismo de Hashimoto, artrite reumatoide, esclerodermia, etc.

O FAN, entretanto, pode eventualmente estar positivo em pessoas normais. Portanto, a sua presença não necessariamente confirma a doença, mas a sua ausência afasta o diagnóstico de lúpus em quase 100%. Os casos de lúpus discoide isolado, sem acometimento sistêmico, são a exceção, podendo não ter o anticorpo FAN positivo.

A presença de dois outros anticorpos estão muito associados ao lúpus: Anti-Sm e anti-DNA(ds). A presença de sintomas típicos, FAN positivo e um desses dois anticorpos fecham o diagnóstico de lúpus.

TRATAMENTO

O tratamento é feito normalmente com corticoides, cloroquina e anti-inflamatórios. Casos mais severos necessitam de drogas mais pesadas como ciclofosfamida, micofenolato mofetil, azatioprina e o próprio corticoide em doses elevadíssimas.

Em 2011 foi aprovada mais uma droga para o lúpus, chamada Belimumab (Benysta®). Este medicamento é um anticorpo sintético contra os nossos linfócitos B, as células de defesa que produzem os auto-anticorpos do lúpus. O Belimumab deve ser usado em conjunto com as atuais drogas e parece reduzir a atividade da doença e o números de recaídas.

Entretanto, é importante salientar que os estudos com esta droga não incluíram pacientes que já usaram ciclofosfamida anteriormente ou que tenham lesão renal ou neurológica pelo lúpus. Isto significa que a droga foi testada apenas em pacientes com casos mais brandos da doença. Outra dado é que nos dois estudos conduzidos, a droga teve eficácia muito menor em pacientes afrodescendentes, parecendo não ser uma boa opção para este grupo étnico.

Em casos muito graves, com vasculite difusa, hemorragia pulmonar, lesões neurológicas etc, pode ser necessário o tratamento com plasmaférese para se reduzir o número de auto-anticorpos circulantes.

Os doentes com lúpus podem alternar fases de crises e fases de remissão. Alguns paciente conseguem ficar anos sem sintomas da doença. Alguns fatores favorecem a reativação da doença nos pacientes em remissão.

  • Exposição ao sol.
  • Estresse físico ou mental.
  • Gravidez.
  • Infecções.
  • Cigarro.
  • Abandono do tratamento

Fonte: MD. Saúde


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