Fale com a gente pelo Whatsapp Whatsapp

Autonomia e proteção: o que muda para as pessoas idosas com as novas normas jurídicas no Brasil

A legislação brasileira que trata dos direitos das pessoas idosas vem passando por ajustes importantes nos últimos anos, e essas mudanças começam a aparecer no dia a dia de quem lida com cuidados, tomada de decisões e questões patrimoniais. Embora boa parte das atualizações seja técnica e pouco divulgada, elas carregam um ponto em comum: reforçar que envelhecer não significa perder autonomia, ao mesmo tempo em que ampliam a vigilância contra abusos que afetam esse grupo de forma desproporcional.

O princípio central que orienta essas normas é claro: a idade, por si só, não retira a capacidade civil de ninguém. A pessoa idosa continua tendo pleno direito de decidir, assinar documentos, movimentar patrimônio e expressar sua vontade, e qualquer limitação só pode ocorrer em situações específicas, analisadas caso a caso. Esse entendimento, consolidado em marcos legais como o Estatuto da Pessoa Idosa e a Convenção Interamericana sobre os Direitos Humanos das Pessoas Idosas, também vem orientando provimentos do Conselho Nacional de Justiça que padronizam procedimentos em cartórios de todo o país.

Essas diretrizes têm impacto direto em práticas comuns. A exigência automática de acompanhante, atestado médico ou avaliação extra para a pessoa idosa realizar atos civis, algo que ainda acontecia em muitos locais, deixa de fazer sentido na lógica atual. O foco passa a ser verificar se há sinais concretos de incapacidade ou coerção, e não presumir vulnerabilidade apenas pela idade. Isso vale para operações em bancos, registros de imóveis, procurações e uma série de atos que antes encontravam barreiras informais.

As mudanças também respondem ao aumento de denúncias envolvendo fraudes, conflitos familiares e pressões emocionais em torno de decisões patrimoniais. A procuração, instrumento muito usado em situações de cuidado, se tornou um ponto sensível: normas mais recentes incentivam maior clareza na redação, registros específicos e atenção a indícios de abuso. A meta é proteger, mas sem restringir direitos.

No campo da saúde, a discussão avança em outra direção: garantir que a pessoa idosa seja a protagonista das decisões sobre o próprio corpo. Profissionais de saúde precisam assegurar explicações compreensíveis, respeitar recusas e considerar documentos antecipados de vontade, algo ainda pouco conhecido pelo grande público, mas que ajuda a preservar desejos futuros. Essa abordagem combate práticas paternalistas e reafirma a dignidade como elemento inseparável do cuidado.

Ao mesmo tempo, reconhecer autonomia não significa ignorar riscos. As estatísticas de violência patrimonial e financeira contra idosos continuam altas, e muitas ocorrem dentro do próprio ambiente familiar. Por isso, bancos, cartórios, serviços de saúde e órgãos públicos vêm recebendo orientações para identificar sinais de abuso, relatar situações suspeitas e ampliar a proteção institucional. A ideia de “rede de segurança” ganha força justamente porque a vulnerabilidade não está na idade, e sim no contexto social que cerca algumas pessoas.

Para famílias e cuidadores, esse cenário traz um desafio delicado: equilibrar preocupação legítima com respeito às escolhas individuais. Nem sempre a decisão da pessoa idosa será a mesma que a família considera ideal, e isso faz parte do direito de autodeterminação. Quando surgem dúvidas, a recomendação é buscar orientação especializada, evitando interferências precipitadas que possam resultar em violações de direitos.

As novas normas mostram que o Brasil está caminhando para um modelo que combina liberdade e proteção de maneira mais madura. Valorizar a autonomia sem negligenciar a segurança é um passo essencial num país que envelhece rapidamente e precisa adaptar suas instituições a essa realidade. Para a Rede Geronto, acompanhar essas mudanças significa fortalecer o debate público e apoiar práticas mais éticas, informadas e respeitosas.

Normas recentes que realmente impactam a vida das pessoas idosas
1. Provimento nº 148/2023 – CNJ

Define diretrizes nacionais para atuação de cartórios em situações de vulnerabilidade, incluindo pessoas idosas. Fala sobre cautelas na lavratura de procurações, verificação de sinais de abuso, cuidado com coerção e necessidade de avaliação individual, sem discriminação pela idade.

2. Provimento nº 100/2020 – CNJ (com atualizações posteriores)

Regulamenta os atos notariais eletrônicos. Impacta muito a população idosa, que antes tinha barreiras físicas para formalizar documentos.

3. Lei nº 13.146/2015 – aplicada à pessoa idosa (reinterpretação recente)

A LBI mudou completamente o entendimento de capacidade civil, restringindo curatela e tornando-a excepcional. Nos últimos anos, CNJ e Judiciário passaram a aplicar de forma mais rígida esse modelo aos idosos.

4. Notas técnicas do Ministério dos Direitos Humanos sobre violência patrimonial (2022–2024)

Guia práticas para serviços públicos, bancos e cartórios na identificação de abuso financeiro contra idosos.

5. Atualizações do Manual do Registro Civil das Pessoas Naturais (CNJ, 2023–2024)

Incluem orientações sobre: assinatura de documentos; mudança de registro e cautelas para verificação de livre manifestação de vontade. Nenhuma dessas normas retira direitos, pelo contrário, amplia a autonomia e reforça a proteção contra abusos.

Por Juliana Mucury – Relações Públicas

Fontes: Estatuto da Pessoa Idosa (Lei 10.741/2003), Convenção Interamericana sobre os Direitos Humanos das Pessoas Idosas (OEA, 2015), Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), publicações do Conselho Nacional de Justiça sobre registros civis e proteção de pessoas vulneráveis, Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania – Relatórios sobre violência contra a pessoa idosa, Organização Mundial da Saúde – Diretrizes sobre autonomia e envelhecimento ativo.

Ir para o conteúdo