- Ana Carolina Rezende
- Andréa Paz
- Fernando Nassif
- Wilton Richard
- Luciana Santos
- João Pedro Brum
- Suzana Funghetto
1. Introdução
Manter a atenção e o foco tornou-se um desafio crescente para muitos estudantes, especialmente para aqueles com transtornos de atenção, como o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Segundo Barkley (2011), esses problemas de desatenção afetam diretamente o desempenho acadêmico, dificultando o acompanhamento das atividades em sala de aula e impactando o ambiente de aprendizado como um todo.
Além do TDAH, dificuldades, como o Transtorno do Processamento Auditivo (TPA) e o Transtorno do Processamento Visual (TPV), prejudicam a compreensão e a assimilação de informações, criando barreiras adicionais no ambiente educacional. No contexto do ensino superior, onde as exigências acadêmicas são ainda maiores, esses desafios tornam-se particularmente críticos.
Diante disso, este estudo destaca a importância de uma abordagem integrada entre saúde e educação, com diagnósticos e intervenções colaborativas que ofereçam suporte eficaz para esses estudantes. O desenvolvimento de estratégias inclusivas e adaptadas às necessidades individuais é essencial para promover o sucesso acadêmico em um ambiente universitário mais acessível e inclusivo.
2. Justificativa
Estudantes com diagnósticos de TDAH e dificuldades de aprendizagem enfrentam barreiras únicas no ensino superior, o que exige intervenções mais robustas e baseadas em evidências. Apesar da prevalência dessas condições, muitos alunos não possuem diagnósticos formais, o que limita seu acesso a serviços de suporte acadêmico (DuPaul et al., 2017; Faraone & Larsson, 2019). Observamos uma procura maior por diagnósticos e dificuldades em alunos do ensino básico, porém para alunos do ensino superior, acabamos ignorando essas dificuldades. O TPAC, por sua vez, muitas vezes não é diagnosticado, mas pode agravar essas dificuldades ao impedir que os alunos compreendam adequadamente as informações transmitidas em sala de aula (Musiek & Chermak, 2020). Assim como o TPAC é ignorado por muitos, as alterações de Processamento Visual, também são desconhecidas pela maioria dos profissionais de saúde e da educação, impedindo que os alunos tenham um diagnóstico e tratamento adequados.
A ausência de políticas inclusivas e a falta de acesso a tecnologias assistivas são fatores que comprometem a inclusão desses estudantes. Pesquisas como as de Madaus e Shaw (2006) indicam que as instituições de ensino superior devem desenvolver programas de apoio que contemplem as necessidades desses alunos de forma mais eficaz. Isso inclui a capacitação de professores para identificar e trabalhar com esses estudantes de maneira inclusiva, além da implementação de recursos de acessibilidade, como tutoria personalizada, ferramentas tecnológicas e suporte psicológico (Gregg, 2009).
Este estudo justifica-se pela necessidade de investigar como essas condições afetam o desempenho acadêmico e o bem-estar dos alunos e como as instituições podem adaptar suas práticas para promover uma inclusão real.
3. Objetivos
Identifica se há relação entre as queixas de desatenção e falta de foco, com as alterações de vias auditivas e/ou visuais até o momento não identificadas.
4. Método
A presente pesquisa foi realizada numa Instituição de ensino superior particular na Cidade de São Paulo. Foi realizado um estudo quantitativo e exploratória. Toda coleta de dados, incluindo as avaliações auditivas e visuais foram realizadas dentro dessa instituição de ensino.
Como critério de inclusão, os participantes deveriam ter queixa de desatenção e falta de foco. Inicialmente foi utilizado um questionário para identificar dificuldades de aprendizagem e sintomas de TDAH. O questionário foi enviado a todos os alunos da graduação, ao total 500. Obtivemos 88 respostas. Entre os que responderam, 73 relataram dificuldades de atenção e foco. Esses 73 alunos foram submetidos a avaliações adicionais, incluindo o Questionário COVD-QOL e o Questionário SAB, instrumentos essenciais para identificar transtornos visuais e auditivos, respectivamente. Foram abertas 20 vagas (o número de vagas foi determinado para logística entre os pesquisadores e a instituição de ensino) para testar as vias auditivas e visuais, que foram preenchidas com de acordo com quem agendasse primeiro.
O Questionário COVD-QOL avalia a qualidade de vida relacionada a aspectos visuais, auxiliando na identificação de transtornos do processamento visual, que podem interferir diretamente no desempenho acadêmico, investigando sintomas como fadiga visual, desconforto ao ler ou assistir televisão, dores de cabeça frequentes após atividades visuais, entre outros aspectos.
O Questionário SAB é utilizado para medir o comportamento auditivo e identificar possível Transtornos do Processamento Auditivo Central (TPAC), avaliando a capacidade do aluno de compreender informações auditivas, especialmente em ambientes com ruído de fundo. Perguntas sobre a dificuldade de seguir instruções verbais, diferenciar sons semelhantes e necessidade de repetição frequente são alguns dos elementos avaliados.
Abaixo, encontra-se a tabela com os principais itens avaliados pelos dois questionários:
Em seguida, 20 alunos foram selecionados para participarem da pesquisa, onde realizaram as avaliações do Processamento Auditivo Central e do Processamento Visual. O número de vagas foi determinado para logística entre os pesquisadores e a instituição de ensino) para testar as vias auditivas e visuais, que foram preenchidas com de acordo com quem agendasse primeiro.
Para avaliação do Processamento auditivo central, foram utilizados os seguintes procedimentos:
• Meatoscopia;
• Audiometria tonal e vocal;
• Imitanciometria;
• Bateria de testes que compõem a Avaliação do PAC com os testes propostos por Pereira e Schochat e Musiek. Foi utilizado um teste de cada habilidade auditiva conforme sugerido pela ABA.
• Todos os testes foram realizados em cabine acústica.
Para avaliação do Processamento Visual, foram utilizados os seguintes procedimentos:
• Foram realizados alguns testes e o Right Eye, ferramenta que visa a leitura e compreensão, esse teste exige que o paciente tenha conhecimento da língua inglesa moderado, pois os textos e perguntas são e inglês (o fabricante não disponibiliza em português).
• Foram avaliadas as seguintes habilidades(tabela 1). Os testes usados foram:
– Percepção Visual;
-Integração Binocular;
-Focalização;
-Rastreamento Visual;
Após relatório com os resultados das avaliações, os estudantes receberam uma devolutiva individual, onde tiveram direcionamentos de tratamentos conforme os resultados obtidos.
5. Resultados
Os resultados desta pesquisa evidenciaram que, dos 88 estudantes que responderam ao questionário inicial, 14 tinham o diagnosticado do Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), um número significativo, considerando o impacto desse transtorno na organização e no desempenho acadêmico.
Com relação a aplicação dos Questionários COVD-QOL e SAB, as principais respostas foram:
Dos 88 alunos que responderam os questionários, 73 relataram dificuldade de atenção e foco, sendo que destes, 45 apresentaram queixas significativas em ambas as áreas — auditiva e visual —, apesar de não terem diagnósticos prévios para essas condições. Esse dado sugere que muitos alunos podem estar convivendo com transtornos não identificados, o que potencializa as barreiras ao seu desempenho acadêmico. A ausência de diagnósticos formais impede que esses estudantes recebam intervenções específicas, como o uso de tecnologias assistivas ou estratégias educacionais personalizadas, que poderiam melhorar significativamente sua experiência e sucesso acadêmico.
Dos 20 alunos que fizeram as avaliações do PAC e visual, 18 alunos foram diagnosticados com Transtorno do Processamento Auditivo Central (TPAC) e 19 apresentaram Transtorno do Processamento Visual. Somente 1 aluno, não apresentou alteração nem de via auditiva e nem de via visual. Esses diagnósticos foram realizados por uma equipe interdisciplinar composta por fonoaudióloga, optometrista e médica.
Posteriormente, o diagnóstico foi complementado com uma fundamentação pedagógica conduzida por especialistas na área da educação, com ênfase no ensino superior, pertencentes à instituição de ensino superior (IES) estudada.
A representação gráfica a seguir ilustra os diagnósticos e dificuldades relatadas pelos estudantes universitários. O gráfico de barras mostra o número de alunos diagnosticados com TDAH, TPAC (Transtorno do Processamento Auditivo Central), Transtorno do Processamento Visual, além daqueles que relataram dificuldades de atenção e foco, mas que não tinham diagnósticos prévios.
Além das dificuldades acadêmicas, os estudantes também reportaram altos níveis de estresse e ansiedade, diretamente relacionados às suas limitações sensoriais e à incapacidade de gerenciar eficientemente suas demandas acadêmicas. A frustração decorrente da falta de diagnósticos prévios e a ausência de suporte adequado, como tutoria personalizada ou ajustes no currículo, agravam o bem-estar emocional desses alunos. Os dados também apontaram para níveis elevados de estresse e ansiedade entre os estudantes que convivem com essas dificuldades, reforçando a importância de considerar o impacto emocional dessas condições no sucesso acadêmico. A ausência de diagnóstico e de intervenções adequadas aumenta a carga emocional sobre esses estudantes, levando a quadros de ansiedade e, em alguns casos, ao abandono dos estudos. Isso demonstra que a permanência acadêmica está diretamente relacionada ao suporte emocional e ao bem-estar mental dos alunos, que devem ser acompanhados de forma mais atenta pelas instituições.
É fundamental que as instituições de ensino superior e as políticas educacionais adotem avaliações sensoriais periódicas e abrangentes, principalmente para alunos com queixas persistentes de atenção. Além de identificar precocemente essas dificuldades, é necessário estruturar programas de apoio com especialistas de diversas áreas, como fonoaudiologia, optometria e neurologia, para abordar todas as dimensões do processo de aprendizagem (ALBUQUERQUE; BROCCHI, 2022).
6. Conclusão
A presente pesquisa revela que as dificuldades de aprendizagem de muitos estudantes universitários estão associadas a alterações sensoriais não detectadas na educação básica. Os dados apontam para a necessidade de uma abordagem educacional mais holística, integrando a análise das funções auditivas e visuais para compreender as queixas de desatenção e falta de foco. Essa abordagem multidisciplinar é essencial, sobretudo diante de diagnósticos equivocados de TDAH, que podem mascarar as reais causas das dificuldades de aprendizagem e levar a intervenções inadequadas.
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