Me. Kerolyn Ramos Garcia
Instituto de Educação e Envelhecimento Humano – Brasil
Dra. Margô Gomes de Oliveira Karnikowski
Universidade de Brasília – Brasil
A velhice não é inesperada. Em busca de um futuro melhor, passamos a vida construindo o caminho para alcançar a velhice, sem que percebamos o que realmente significa envelhecer. Envelhecer é ser velho. É carregar na memória uma vasta história de vida, momentos alegres e tristes, um mar de pessoas e emoções. Contudo não se restringe a um simples processo biológico e natural do corpo, envolve o aprendizado constante, possibilitado pela experiência vivida. Entretanto, por mais que não seja inesperado, poucos são os que pensam em, de fato, ficarem velhos, embora queiram usufruir da longevidade. O ser humano busca viver muito, pois em outra via, só há luto, porém, reluta em assumir o ônus decorrente dos anos e age como se fosse eternamente jovem. As rugas, muitas vezes negadas, representam as marcas do tempo intensamente vivido e fazem parte do mapa da sua própria existência.
Diante disso, ao idealizar o futuro como eternamente pertencente ao universo jovem, ocultamos as reflexões necessárias para se envelhecer com qualidade. O processo de prevenção e promoção de uma velhice saudável é tratado como uma necessidade do velho, desconsiderando-se o envelhecer diário de todo ser. Distanciada da própria velhice, a sociedade e o estado prosseguem construindo guetos etários, enaltecendo os que produzem para o mercado e destituindo de seus papéis sociais aqueles que construíram sua história. Negligenciam as potencialidades dos idosos enquanto contribuintes ativos e diretos no desenvolvimento econômico e humano dos países. Nesse contexto, a velhice passa a ser um problema social na sociedade moderna e não uma conquista de quem conseguiu experimentá-la.
O cenário mundial, no entanto, tem cada dia mais propiciado o envelhecimento populacional. A inversão da pirâmide etária claramente demonstra que, em poucos anos, seremos um mundo envelhecido, sendo o Brasil um país onde esse processo ocorre de maneira acelerada e desordenada, em um contexto de pobreza e negligência de políticas públicas. A pergunta que nos fazemos, portanto, é: até quando o Brasil irá ignorar sua própria velhice?
Bem, quem já envelheceu não pretende – e nem pode – esperar para ver. Enquanto uns ignoram sua iminente velhice, outros já se encontram nela, e estão diante de um desafio que vai além do manter-se vivo. Para estes, não se trata mais de se preparar para a velhice, mas sim, vivenciá-la na pele e na mente, considerando suas limitações e suas potencialidades. Por isso, a busca pela educação, nesse contexto, tornou-se alvo de pessoas na maturidade que compreendem a velhice como uma fase importante do ciclo da vida e não subestimam a capacidade de desenvolver novas habilidades e competências, ainda que enfrentem desafios biológicos.
Corroborando com isso, o número de idosos que buscam pela educação cresceu tanto no âmbito formal quanto informal. Dados do Ministério da Educação (MEC) indicam um crescimento do número de matrículas de idosos tanto na educação de jovens e adultos quanto na educação superior. Na educação básica, somam mais de 947 mil matrículas de pessoas na maturidade (acima de 40 anos). As instituições de educação superior, por sua vez, se deparam, atualmente, com 26 mil estudantes com 60 anos ou mais inseridos em sala de aula, a maioria (4/5) em instituições privadas.
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), 2018.
Apesar da crescente evolução dos números, a inovação em sala de aula para atender a este “novo” público é pouco representativa ao se comparar com outras tecnologias sociais. O modelo de educação brasileira é praticamente o mesmo desde os primórdios da educação no País: salas de aula com alunos sentados, docente em frente ao quadro e interação e integração mínima entre ambos os lados. Ainda que muito se fale em metodologias ativas e tecnologias como quadro interativo e que recursos online e a distância sejam implementados, o público alvo raramente inclui a maturidade. Na educação pública, a situação é ainda pior, uma vez que os fatores dificultadores se estendem desde o acesso, com a ausência de processos seletivos exclusivos para idosos e que considerem suas especificidades, até a limitação de políticas educacionais que atendam às aspirações desse grupo. A educação emancipadora de Paulo Freire, portanto, está muito à frente do que encontramos na realidade do País. Entretanto, para os “novos” velhos, as barreiras que impediam o avanço da educação ao longo da vida vêm sendo derrubadas por pioneiros que, com mais de 60 anos e até mesmo octogenários, estão se reinserindo em espaços independente de sua determinação etária, mas considerando suas ambições e desejo de manter a vida ativa. Na contramão da crescente tendência de depressão, isolamento e baixa autoestima na velhice, esses são os idosos que hoje ocupam as cadeiras de sala de aula um dia reservadas para a juventude: envelhecidos, porém vivos, em busca de qualidade e respeito para envelhecer com dignidade.